segunda-feira, 16 de dezembro de 2013

Capítulo Seis

A floresta era linda no verão, com árvores altas deixando apenas alguns filetes de luz clara filtrada em um verde-claro chegar ao chão, mal se vendo o céu cinzento da cidade, para além do teto de choupos, abertos e bordos. Ipomeias e heras subiam os troncos das árvores cobertos de musgos e sufocavam as samambaias, uma profusão de trepadeiras que se amontoava altamente. Tudo ali podia ter sido facilmente tirado das páginas de livros infantis, se não fosse pelo cadáver.
A cavidade ocular já havia virado uma pasta com furos que certamente encaixariam de forma perfeita com os bicos dos pássaros. A pele do couro cabeludo havia sido repuxada, deixando um grande pedaço de osso à mostra. O tórax estava completamente retalhado e a única coisa que a tornava reconhecível como mulher era sua genital suja de lavas. Estava lá há pelo menos alguns dias. Decompondo.
A força tarefa chegou quinze minutos exatos depois da ligação. Um guarda da floresta achou a movimentação dos animais esquisita, embora ali fosse perto do riacho. Desceu para ver e acabou rolando a pequena ladeira de lama abaixo, quase caindo em cima do corpo e destruindo toda a cena do crime. Foi por pouco. E por sorte. Quando Joshua chegou, trazendo consigo mais dez cabeças, o guarda estava sujo e tremendo. Ao contar o que tinha visto, desmanchou-se em lágrimas como um bebê.
Joshua desceu com cuidado, despedindo-se dos sapatos no meio do caminho. Não serviriam para nada depois de toda essa lama. Dorian, o legista, quase caiu no mesmo erro do guarda, se não fosse pela cautela de Francis. Todo cuidado era pouco. A fita isolante foi montada, as patrulhas de vigia chegaram e mais quinze minutos depois, os jornalistas também.
Joshua não podia estar mais saturado. Por que merdas queriam um par de jornalistas cobrindo o caso? A mídia não precisava cobrir nada por eles, fariam seus depoimentos sozinhos quando achassem necessário, se fosse necessário. E toda essa atenção puxaria um gatilho no ego do assassino serial. Que eles não sabiam qual seria a resposta ainda. Mas Francis sabiamente disse: ‘Se ele ficar puto, as próximas vítimas serão os jornalistas, pode apostar.’
Rosa chegou com uma pilha de energia. Joshua logo viu que ela daria trabalho. Mais parecia uma adolescente com o cabelo azul desbotado e a curiosidade de uma criança. Sua esperança era ela dar para trás no instante que visse o corpo, que se sentisse enjoada, como a grande maioria das pessoas normais. Porém, ela devia ser feita de ferro ou algo assim. Que o cheiro a incomodou ficou claro, mas ela sequer se abalou. Permaneceu forte, curiosa e acima de tudo, lúcida.
Ao longo do dia, Joshua a passou informações, muito embora a contra gosto, sobre o que já havia sido estudado no caso e o que ainda faltava ser analisado. Ela anotava com notável veracidade. George era apenas um pobre coitado naquele lugar. Tampou o nariz assim que pôs os pés na floresta e ao se deparar com o cadáver, virou de costas e todos podiam jurar que cairia duro no chão, como um dois de paus.
O dia foi longo, tanto para a força tarefa quanto para George. Joshua e apenas ele sabiam o quão torturante aquilo havia sido. Pouco antes de entrar no carro, viu Rosa se aproximar com um sorriso nos lábios finos, cujo vinco pendia um cigarro.
‘Sei que não é a favor da matéria.’, disse como quem não quer nada, pondo uma das mãos no bolso de trás. Joshua anasalou um riso. ‘Não quero que pense que sou incompetente. George talvez, mas eu não. Você vai ver, vai gostar das matérias. Até amanhã.’, e acendendo seu cigarro mentolado, Rosa virou-se e partiu.

As palavras dela ecoaram como um lembrete do infinito pesadelo. Até amanhã.